Uma maneira de prevenir e identificar as famosas ‘rachadinhas’

Termo popularizado no diminutivo, não ameniza a gravidade deste crime que pode ser prevenido com transparência.
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Reprodução de vídeo preparado pela equipe do UOL a partir de áudios publicados pela jornalista Juliana Dal Piva em julho/2021.
Por Gabriella Costa pesquisadora consultora do Índice de Transparência e Governança Pública

Os brasileiros costumam criar metáforas para traduzir temas, conceitos e fenômenos complexos sociais.

Dentro desse contexto, foi criado o termo “rachadinha”, que é a prática ilegal de funcionários contratados por parlamentares serem obrigados a “rachar”, ou seja, fornecer de volta todo ou uma parte do salário para os partidos ou até mesmo para os vereadores, deputados ou senadores para quem trabalham.

O termo no diminutivo, “rachadinha”, pode passar a ideia de um delito de menor gravidade, mas, na verdade, a “rachadinha” é um crime de corrupção que pode ser caracterizada como peculato, corrupção passiva ou improbidade administrativa.

No julgamento do recurso especial eleitoral nº 0600235-82.2020.6.26.0001/SP, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), definiu que a prática da “rachadinha”, configura enriquecimento ilícito e dano ao patrimônio público.

Na ocasião, o então presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, destacou que: “O esquema de ‘rachadinha’ é uma clara e ostensiva modalidade de corrupção, que, por sua vez é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa”.

Para entender como funciona a prática das chamadas “rachadinhas” e o seu impacto negativo é importante entender o funcionamento dos gabinetes no âmbito legislativo.

Quando um parlamentar é eleito ou uma parlamentar é eleita, sua equipe é formada por funcionários contratados diretamente por ele ou ela, os chamados assessores, que podem agir tanto dentro dos gabinetes quanto em ações nos Estados e nas cidades de origem do parlamentar. O pagamento dessas pessoas contratadas é feito por meio de uma verba pública destinada ao gabinete, que é gerida pelo próprio parlamentar e por sua equipe.

Silveira e Camargo, no artigo “Novas e velhas leituras sobre a corrupção: o caso da rachadinha”, apresentam alguns cenários de como essa corrupção acontece. Em alguns casos, os funcionários nem chegam a trabalhar de fato nas casas legislativas: são os chamados funcionários fantasmas, que redistribuem os seus vencimentos ou parte deles aos parlamentares. Em outros casos, os assessores trabalham, mas são coagidos a “doarem” parte dos seus salários para o político ou seu partido. Os assessores também podem ser contratados de forma informal pelos políticos e não receber salário diretamente da verba destinada pela casa legislativa, mas, sim com origem na redistribuição de salários recolhidos de funcionários formais. Essas ações podem acontecer por meio de transferências bancárias, depósitos ou até mesmo sequestro ou detenção das contas bancárias dos envolvidos no esquema.

A maneira pela qual a sociedade civil e a imprensa podem fiscalizar quem são e como recebem os assessores dos parlamentares, para identificar se há indícios de práticas de “rachadinhas”, é acessar os portais da transparência e ou dados abertos. Para isso, os salários precisam ser divulgados com o nome do prestador de serviço vinculado ao nome do parlamentar. Agora, imagine a dificuldade potencial de um cidadão que pretende fazer a análise de todos os funcionários do gabinete dos deputados e das deputadas do seu Estado, cada um com 30 funcionários em média.

Na semana passada, a Transparência Internacional – Brasil lançou o Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP) das 27 Casas Legislativas estaduais, que analisou se os legislativos estavam divulgando, mensalmente, os salários dos servidores efetivos e comissionados em formato de bases de dados gratuitas, acessíveis, legíveis por máquina (formatos como .csv, .json); com possibilidade de download dos dados; e série histórica.

Quando os dados são publicados de acordo com os critérios elencados acima, os cidadãos, a imprensa e até mesmo órgãos oficiais de controle podem realizar o accountability dos funcionários dos gabinetes e identificar indícios de práticas ilícitas, como pagamento para pessoas que não frequentam a Casa ou não atuam localmente, para pessoas mortas ou que atuam em outras práticas profissionais.

Os resultados do ITGP, no entanto, mostram que somente quatro Estados (Ceará, Espírito Santo, Goiás e Rio Grande do Sul) publicam bases de dados completas e nominais, com periodicidade mensal, sobre o salário de servidores efetivos e comissionados. E que onze Casas Legislativas não pontuaram nada nesse critério.

O ITGP se torna, assim, um importante mecanismo de prevenção, fiscalização e accountability para diversos delitos, inclusive para as “rachadinhas”.

Um dos casos recentes emblemáticos de suspeita de “rachadinha” envolveu o então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Segundo a imprensa relatou, uma das funcionárias envolvidas no esquema suspeito atuava, na verdade, como professora de educação física durante o horário de expediente em que deveria trabalhar como assessora.

Na Assembleia Legislativa do Paraná, já ocorreram investigações de suspeita de corrupção envolvendo o presidente da Casa Ademar Traiano. O Ministério Público do Paraná fez uma investigação de 10 anos contra o presidente e outras parlamentares que envolveram denúncias de “rachadinha” e contratação de funcionários-fantasmas. O inquérito foi arquivado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJPR) no fim de janeiro de 2023. Já o Ministério Público da Paraíba instaurou inquérito civil público para apurar suposto esquema de ”rachadinha” na Assembleia Legislativa, o que teria ocorrido no período de 2011 a 2014 da seguinte forma: os assessores nomeados mantinham para si uma parte da remuneração e repassavam o restante para o parlamentar ou ao chefe de gabinete.

Grupo de Trabalho

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Termo popularizado no diminutivo, não ameniza a gravidade deste crime que pode ser prevenido com transparência.
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